As áreas menos desmatadas da Amazônia se devem ao 'papel vital' dos povos indígenas

As áreas menos desmatadas da Amazônia se devem ao 'papel vital' dos povos indígenas

Nó Fonte: 1924546

Apenas 5% da perda líquida de florestas na Amazônia brasileira ocorre em territórios indígenas e áreas protegidas – embora essas áreas contenham mais da metade da floresta da região. 

Essa é uma descoberta importante de um estudo recente, publicado na Sustentabilidade da natureza, que examina os dados do período de 2000 a 2021. Ele analisa imagens de satélite para estimar a área florestal anual e, em seguida, sobrepõe essas informações com conjuntos de dados nacionais sobre diferentes sistemas de governança e gestão. 

As descobertas revelam o “papel vital” dos territórios indígenas e áreas protegidas na conservação da floresta na Amazônia, escrevem os autores. 

No entanto, ao longo de 2018-21, a porcentagem de perda florestal anual nessas áreas foi duas vezes maior do que em áreas não designadas, segundo o estudo. Os autores alertam que essa mudança destaca o efeito do “enfraquecimento” das proteções ambientais do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro. 

a grande amazona 

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, abrangendo nove países sul-americanos. A maior parte da floresta tropical é encontrada no Brasil, tornando a Amazônia brasileira um hotspot de biodiversidade.

Em 2000, a área florestal total nesta região cobria 394 milhões de hectares. 

Esta zona biologicamente rica é dividida em áreas protegidas, territórios indígenas e áreas não designadas. As áreas protegidas são então divididas em duas categorias: proteção estrita (áreas designadas para a conservação da biodiversidade, que subsequentemente têm mais cobertura florestal e menos pressão de desmatamento) e uso sustentável (que permite que as pessoas gerenciem a natureza de forma sustentável e usem seus recursos, como por meio da agricultura sustentável ). 

Os autores escrevem que os territórios indígenas e áreas protegidas “são cobertos por florestas” e sua contribuição “fortalece substancialmente a conservação da floresta”.

A Amazônia brasileira também abriga cerca de 400 grupos indígenas e possui cerca de 330 áreas protegidas. 

Amanda Kayabi, uma líder indígena de 18 anos da Aldeia Samaúma, no Território Indígena do Xingu, disse à Carbon Brief que “nós, como povos indígenas, temos o dever de proteger a Amazônia”. Ela adiciona: 

“O nosso território, a nossa floresta, é tudo o que temos: onde vivemos, alimentamos, plantamos alimentos tradicionais, [obtemos] remédios [e] colheitas, onde rezamos, o ar que respiramos.”

A contribuição que os Kayabi e outros povos indígenas fazem para a conservação da Amazônia brasileira se reflete na quantidade de floresta tropical pela qual eles são responsáveis. Em 2018, os territórios indígenas e outras áreas protegidas continham 206 milhões de hectares de florestas – isso é 52% da área florestal total medida em 2000, o ano de referência que os autores usaram para comparação.

Kayabi passa o tempo coletando sementes, atividade que faz desde a adolescência. Ela trabalha junto com outras mulheres indígenas do Rede de Sementes do Xingu, no estado brasileiro do Mato Grosso, cuja missão declarada é “reflorestar o que foi desmatado ao redor do Xingu... não só para o território, mas para o mundo inteiro”, diz Kayabi.

Embora cubram mais da metade das áreas florestais da Amazônia brasileira, os territórios indígenas e outras áreas protegidas representaram “apenas 5% da perda líquida de florestas e 12% da perda bruta de florestas” entre 2000 e 2021, diz o jornal.

Os gráficos abaixo mostram as taxas médias anuais de perda florestal antes (azul) e depois (laranja) do estabelecimento de territórios indígenas e áreas protegidas na Amazônia brasileira. O painel esquerdo (g) mostra o desmatamento ocorrido em (da esquerda para a direita) unidades de conservação nacionais, territórios indígenas e unidades de conservação estaduais. O painel direito (h) mostra o desmatamento em áreas de proteção integral, Terras Indígenas e áreas de uso sustentável. 

Os gráficos revelam que o menor desmatamento ocorreu em territórios indígenas e unidades de conservação nacionais, bem como em áreas de proteção integral.

As perdas brutas médias anuais de florestas são discriminadas nos diferentes tipos de governança.
A perda bruta média anual de florestas é dividida nos diferentes tipos de governança (g): (da esquerda para a direita) áreas nacionais protegidas, territórios indígenas e unidades de conservação estaduais e manejo (h): (da esquerda para a direita) proteção estrita , Territórios indígenas e uso sustentável. A área florestal bruta representa as mudanças no uso da terra de floresta para não florestal, sem contar os ganhos florestais que podem ter ocorrido em atividades como o reflorestamento. Fonte: Qin et al. (2023).

Kayabi enfatiza o importante papel que os povos indígenas desempenham. Ela diz ao Carbon Brief:

“Nós trazemos soluções para as florestas crescerem, quem vai ajudar somos nós. Os povos indígenas são a solução!”

Rastreando o desmatamento

O estudo confirma algo que cientistas e conservacionistas já sabem: que a maior parte do desmatamento na Amazônia brasileira ocorre nas porções sul e leste da região, área conhecida como “arco de desmatamento". 

O gráfico abaixo mostra a perda de floresta dentro (acima) e fora (abaixo) dos territórios indígenas e áreas protegidas em 2002-21. A cor do sombreado indica quando ocorreu o desmatamento – de 2002 (amarelo) a 2021 (vermelho).

A distribuição espacial do desmatamento anual na Amazônia brasileira em territórios indígenas e áreas protegidas (a) e fora desses territórios (b).
A distribuição espacial do desmatamento anual na Amazônia brasileira em territórios indígenas e áreas protegidas (a) e fora desses territórios (b). Em ambos os mapas, a perda florestal ao longo dos anos é representada com pixels de cores diferentes, variando de 2002 (amarelo) a 2021 (vermelho). Em ambos os mapas, cinza escuro representa áreas que eram florestadas em 2001 e cinza claro representa áreas que não eram. Fonte: Qin et al. (2023).

Para entender a extensão e a localização das áreas desmatadas em territórios indígenas e áreas protegidas, os pesquisadores usaram uma abordagem de três etapas.

Primeiro, eles construíram um mapa florestal anual usando imagens diárias de dados de satélite para identificar áreas florestais e não florestais na região. 

A coleta de imagens de satélite tende a ser difícil nesta parte do mundo devido às densas nuvens que cobrem o céu amazônico. Mas os pesquisadores resolveram esse problema usando um modelo de alta resolução que lhes permitiu distinguir florestas através desses céus nublados.

Eles então sobrepuseram os mapas florestais anuais resultantes com dados do governo sobre territórios indígenas e áreas protegidas para estimar quanta área florestal está contida nessas regiões. Por fim, compararam a perda florestal ocorrida dentro e fora dos territórios indígenas e áreas protegidas.

Eles também compararam seus resultados com outros estudos que usam diferentes conjuntos de dados, imagens de satélite ou algoritmos, como o oficial conjunto de dados de desmatamento brasileiro.

O estudo tem duas vantagens sobre trabalhos anteriores, diz Professor Xiangming Xiao, o diretor do Centro de Observação e Modelagem da Terra no University of Oklahoma e o autor correspondente no estudo. 

O uso diário de imagens de satélite e seu algoritmo aprimorado garantem mais consistência ao longo do tempo e melhor cobertura espacial de suas estimativas, disse Xiao ao Carbon Brief.

Pedro Veit, o diretor do Iniciativa de Direitos de Terra e Recursos no grupo de pesquisa ambiental o World Resources Institute (WRI), diz que o trabalho é “bastante consistente” com estudos anteriores. Veit, que não esteve envolvido no estudo, disse ao Carbon Brief: 

“No geral, eu diria que eles são comparáveis ​​[aos trabalhos publicados anteriormente]. Seu próprio conjunto de dados de desmatamento não chega a ser tão significativamente diferente dos resultados de diferentes estudos”. 

Veit acrescenta que um grande avanço na análise é que os pesquisadores analisam o desmatamento em florestas primárias e secundárias – as primeiras são florestas virgens e intocadas, enquanto as últimas se referem a florestas que foram perturbadas naturalmente ou pelo homem. Xiao observa:

“É importante identificar e monitorar florestas secundárias, mas é uma tarefa desafiadora na zona tropical úmida, onde nuvens frequentes e aerossóis induzidos por fogo na atmosfera geralmente resultam em um pequeno número de imagens de boa qualidade dos sensores ópticos. Como resultado, há um número limitado de estudos sobre florestas secundárias na Amazônia brasileira.”

Por outro lado, Veit sugere que teria sido valioso se os pesquisadores incluíssem a degradação florestal em suas análises e examinassem as implicações da perda florestal para a biodiversidade ou as mudanças climáticas.

Um novo caminho na floresta

O estudo observa que os principais culpados pela perda de florestas são tipicamente a agricultura, pastagens para produção de gado, mineração mineral e crescente urbanização.

Toya Manchineri, coordenadora de Territórios e Recursos Naturais do Coordenação de Organizações Indígenas na Bacia Amazônica (COIAB), concorda com essa avaliação. Ele diz ao Carbon Brief:

“A questão da pecuária, da lavoura e da soja está entrando muito forte na Amazônia. Mas os principais impulsionadores do desmatamento são a invasão ilegal e a extração ilegal de madeira. A mineração tira muita água do rio, destrói terras e o mercúrio contamina a água e os peixes, causando doenças nas populações indígenas.”

Manchineri destaca que, apesar das proteções, há algumas terras indígenas na Amazônia que estão em risco. O território Ituna-Itatá, no estado do Pará, é uma das terras indígenas mais desmatadas do Brasil. “70% dela está sendo tomada por invasores”, diz Manchineri. Ele acrescenta que o desmatamento nas terras dos Yanomami ameaça “não só o território, mas a própria organização do povo”.

A rodovia BR-163 se estende entre a Floresta Nacional do Tapajós, à esquerda, e um campo de soja em Belterra, estado do Pará, Brasil à direita, 15 de novembro de 2019.
A rodovia BR-163 se estende entre a Floresta Nacional do Tapajós, à esquerda, e um campo de soja em Belterra, estado do Pará, Brasil à direita, 15 de novembro de 2019. Crédito: Associated Press / Alamy Foto de stock.

Taxas mais altas de desmatamento em territórios indígenas e áreas protegidas da Amazônia brasileira foram observadas de 2018 a 2021 – período consistente com o governo de Jair Bolsonaro, que ocupou o cargo de presidente do Brasil nos anos civis de 2019-22, aponta o estudo. 

O “enfraquecimento” das políticas de proteção florestal do Brasil foi evidente durante esse período, diz o estudo. Por exemplo, apesar do aumento do desmatamento, o número de multas aplicadas por violação de leis ambientais e de conservação caiu 72% de março a agosto de 2020.

Vários outros estudos abordaram o papel vital dos territórios indígenas na conservação da floresta na Amazônia. UMA relatório recente O WRI estima que 90% das terras indígenas foram “fortes sumidouros líquidos de carbono de 2001 a 21”, removendo 340 milhões de toneladas de CO2 anualmente. Ao mesmo tempo, as terras fora desses territórios eram uma fonte líquida de carbono. 

“Isso é surpreendente”, diz Veit, que co-escreveu o relatório do WRI. Ele diz ao Carbon Brief:

“O que as descobertas deles e as nossas mostram é que, se [o novo governo brasileiro] quiser chegar ao desmatamento líquido zero, o problema está fora dos territórios indígenas e áreas protegidas. E embora seja importante para [este] governo ajudar e dar mais apoio aos [povos indígenas], para que possam continuar a administrar essas terras, atenção real deve ser dada às outras terras onde as taxas de desmatamento são incrivelmente altas.”

Pesquisadores e líderes indígenas esperam que o recém-empossado presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – mais conhecido como Lula – traz de volta proteções mais fortes para a Amazônia. 

Lula prometeu alcançar o desmatamento líquido zero da Amazônia brasileira até 2030. Como parte disso, ele está incluindo líderes indígenas na tomada de decisões. Por exemplo, ele recentemente criou um Ministério dos Povos Indígenasnomeando Sônia Guajajara, uma liderança indígena, ativista e defensora dos direitos dos povos indígenas, para liderá-la. Em 2022 Guajajara foi eleita deputada federal de São Paulo e este ano é a “primeira mulher indígena a se tornar ministra no país”. Lula também prometeu demarcação de terras, que consiste em estabelecer a extensão de uma área sob posse indígena e registrá-la formalmente em decreto.

No entanto, para Manchineri, a cooperação internacional e o financiamento são fundamentais para atingir essas metas de desmatamento – não apenas um melhor reconhecimento no Brasil. Ele diz ao Carbon Brief: 

“Só a demarcação não basta. É preciso um pacote de investimentos, de conhecimento técnico e de apoio às nossas comunidades para que possamos realmente proteger nossas terras.”

De volta ao território indígena do Xingu, onde as mulheres contribuem para o manejo sustentável de suas árvores e sementes, Kayabi mais uma vez destaca as grandes diferenças entre as terras indígenas e o restante da região. Ela diz: 

“Ao sair da Terra Indígena, você vai encontrar um deserto do lado de fora, porque só em nosso território existem florestas.”

Qin, Y. et al. (2023) Conservação florestal em territórios indígenas e áreas protegidas na Amazônia brasileira, Nature Sustainability, doi: 10.1038 / s41893-022-01018-z

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